14 de abril de 2009

A casta dos superbacharéis*

Por Wilson José Vieira.
Engenheiro nuclear,Ph.D.

Participo de uma lista de discussão na internet (bolsa_produtividade@googlegroups.com) que tem discutido a utilização de critérios quantitativos para concessão de auxílios financeiros, de bolsas de produtividade e para avaliação de projetos pelas agências de fomento de C&T. O denominador comum é que todos acreditam que o mérito das propostas submetidas aos órgãos de fomento não é devidamente contemplado.

Não há dúvidas sobre o excelente trabalho que fizeram, e que ainda fazem, o CNPq, a Capes e a Fapesp, por exemplo. Todos sabem que a pós-graduação no Brasil é um grande sucesso. No entanto, a procura de pesquisadores e professores por melhores currículos é fomentada principalmente pela supervalorização do número de publicações, especialmente, publicações internacionais, o que chamamos de corrida pelo “currículo por metro”.

Com inúmeras exceções, a corrida pelo currículo/m está concentrando as pesquisas nas linhas mais publicáveis em detrimento daquelas de maior necessidade do país. Alguns pesquisadores e professores admitem que concentram seus esforços na redação de várias publicações similares (autoplágio), fatiam suas pesquisas em vários artigos apenas para aumentar o número, participam de clube de autores que multiplica o número de publicações de cada um, editam periódicos veículos da próprias publicações, evitam pesquisas que demandem tempo ou grandes experimentos, abraçam linhas de pesquisa do exterior com maiores facilidades de publicação; evitam publicar na língua portuguesa; evitam publicar em congressos e revistas nacionais; participam da ciranda dos índices de citação e escolhem orientados com maiores chances de publicarem rapidamente.

Tudo isso os distanciam ainda mais da sociedade brasileira e da atividade econômica nacional. E fazem com que percam oportunidades de descobrir coisas realmente novas e que mereceriam o reconhecimento das comunidades nacional e internacional de C&T. Está-se criando no país uma casta de superbacharéis.

O resultado da discussão é um manifesto pedindo às instituições de fomento que estudem maneiras de melhorar os critérios de avaliação de pedidos, projetos e propostas em C&T. Principalmente, que incluam o mérito. Por exemplo: por que não criar bolsa de produtividade científica, bolsa de produtividade tecnológica, bolsa de produtividade acadêmica, bolsa de mérito científico, bolsa de mérito tecnológico, bolsa de mérito acadêmico? É preciso valorizar cada área e cada atividade. Não é possível essa tábua rasa que coloca pós-graduação, ciência, tecnologia, educação e pesquisa medidas pelos mesmos critérios.

Para considerar o mérito de uma proposta em C&T, penso que os avaliadores devem se perguntar: É realmente uma contribuição à ciência? Trará maiores e melhores conhecimentos teóricos? Ou ainda, de um ponto de vista mais aplicado: é de interesse para o país, para a região? Gera emprego? Substitui importações? Salva vidas? Aumenta a eficiência? Promove a integração do país? Fortalece nossos mercados? Protege o meio ambiente? Aumenta a qualidade de vida? Diminui a poluição? Aumenta a produtividade? Diminui o custo de produção? Se questões como essas não forem consideradas, não conseguiremos transformar ciência em tecnologia, ou, mais claramente, educação em riqueza. A facilidade do julgamento de propostas com base no tamanho do currículo não poderia ser a principal razão para não se considerar o mérito de uma proposta.

Somos bons em ciência, temos excelentes universidades e laboratórios nacionais. Temos núcleos de excelência em várias áreas do conhecimento, mas não se pode perseguir apenas a meta de alcançar nível sete da capes. Qualquer programa de pósgraduação deveria, em primeiro lugar, realizar o que tem de maior mérito. Qualquer pesquisador ou professor poderia propor pesquisas de grande mérito, publicá-las e ter um currículo reconhecido. Mas se a única coisa a valorar for o tamanho do currículo, ele vai publicar um monte de obviedades inúteis enquanto suas idéias mais originais e mais necessárias talvez sejam esquecidas ou desenvolvidas no Primeiro Mundo.

Outra consequência é o inchamento das grandes universidades que absorvem a maioria dos recursos que poderiam ser utilizados para o desenvolvimento de outros polos regionais de C&T no Brasil. Isso, sim, criaria postos de trabalho qualificados e espalharia qualidade de vida pelo país como um todo.


* Publicado no Correio Braziliense em 7 de fevereiro de 2009.

Um comentário:

  1. Obrigado pela colocação do texto em seu blog. Não há outra maneira melhor dele se atingir seu objetivo.

    Wilson

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