23 de julho de 2009

Como falar dos livros que não lemos?

O que é a leitura e para que serve? Neste ensaio lúdico e provocador, Pierre Bayard categoriza os livros: os que não lemos, os que folheamos, aqueles dos quais ouvimos falar e os esquecidos. Nem se fala dos poucos que lemos e dos quais nos lembramos.

O primeiro passo para o desenvolvimento saudável de um leitor, segundo ele, é descartar a vergonha. Na verdade, todos os tipos de leitura e de não-leitura servem para nos ajudar a entender o mundo, a nos relacionarmos com fragmentos de informação. Como Bayard explica, "a não-leitura não é a ausência de leitura. Ela é uma ação verdadeira, que consiste em se organizar em relação à imensidão de livros, a fim de não se deixar submergir por eles. Por isso, ela merece ser defendida e até ensinada".

Aqui, os exemplos de leitura são ecléticos: o grande ensaísta francês Michel de Montaigne fazia anotações na última página dos livros, do contrário esquecia por completo o conteúdo. No filme "O Feitiço do Tempo", o personagem de Bill Murray aproveita a bizarra reciclagem de um mesmo dia para realizar o sonho máximo do leitor: achar a alma gêmea bibliográfica. Uma tribo africana questiona o texto de Hamlet de Shakespeare por não acreditar em fantasmas, e este é um exemplo de que às vezes a estranheza rende um entendimento mais rico.

O livro, Bayard nos lembra, não é ferramenta para angariar cultura ou impressionar os outros, e sim uma forma de encontrar a si mesmo: "O paradoxo da leitura é que o caminho em direção a si mesmo passa pelo livro, mas deve continuar sendo uma passagem. É uma travessia de livros que o bom leitor realiza, sabendo que cada um deles é portador de uma parte dele mesmo e pode lhe abrir um caminho, se tiver a sabedoria de não parar ali."

Sobre o autor
Professor de literatura francesa na Universidade de Paris e psicanalista, Pierre Bayard divide seu tempo entre a elaboração de romances, ensaios e reflexões em forma de romances policiais.

"Conjunção rara de olhar sociológico e auto-ironia." – Folha de S. Paulo.

"Guia de sobrevivência nas rodas de bate-papo." – The New York Times.

"Bayard ensina como fingir um orgasmo literário." – Observer.

"Um ensaio inteligente sobre as várias formas de apreciar um livro." – Veja.

MAIS CULTURA!

Para abrir a primeira biblioteca pública nas 661 cidades brasileiras que ainda não têm esse equipamento, o Ministério da Cultura, através do programa Mais Cultura investe na aquisição de kits a serem entregues aos municípios até julho.
Cada um deles inclui dois mil livros, mobiliário, computador, televisão, aparelho de DVD e de som. Para garantir que todos os municípios sejam beneficiados, o ministério lançou a campanha “Cada Município, uma biblioteca”, na qual o cidadão poderá ajudar a fiscalizar se há de fato esse equipamento em sua cidade.
Outra ação de estímulo à leitura é a modernização das bibliotecas já existentes. As unidades receberam mil livros, mobiliário, almofadas, pufes, tapetes e telecentro digital com acesso à internet em alta velocidade (banda larga).

20 de julho de 2009

Comissão da Câmara aprova exigência de biblioteca em todas as escolas públicas!

A Comissão de Educação e Cultura da Câmara aprovou uma proposta que exige a instalação de bibliotecas em todas as escolas públicas de educação básica. Para cuidar do acervo, bibliotecários com formação superior deverão ser contratados.
O texto, aprovado nesta quarta-feira (15), determina ainda que o acervo seja permanentemente atualizado e mantido em local próprio, atraente e acessível, com acesso à internet.
O projeto também estabelece que cada sistema de ensino poderá organizar o trabalho dos bibliotecários - inclusive para que eles atendam a mais de uma biblioteca escolar cada um.Segundo o texto do projeto de lei, os sistemas de ensino da União, dos estados e dos municípios deverão garantir capacitação específica aos bibliotecários para atuar como mediadores entre os alunos e a leitura.
A proposta define um prazo de cinco anos para implantação das medidas previstas.A proposta será encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, onde será votada em definitivo.

Legislação atual
Segundo o Plano Nacional de Educação, a "atualização e ampliação do acervo das bibliotecas"está entre as metas do ensino fundamental. Em relação ao ensino médio, um dos objetivos é estabelecer padrões mínimos nacionais de infraestrutura que incluam "espaço para a biblioteca".
Já a Lei 10.753/03, que institui a Política Nacional do Livro, determina que o Poder Executivo tenha programas anuais de manutenção e atualização do acervo de bibliotecas públicas, universitárias e escolares. Essa lei também exige, para efeito de autorização de escolas, a existência de acervo mínimo de livros para as bibliotecas escolares.
Atualmente, o Ministério da Educação desenvolve o Programa Nacional Biblioteca da Escola, por meio do qual distribui livros para todas as escolas públicas, a partir do número de alunos. Uma escola com até 250 alunos, por exemplo, recebe 20 livros (0,08 livro por estudante).
* Com informações da Agência Câmara - São Paulo.

Vamos ficar de olho nesta votação!!!

3 de julho de 2009

Polêmica e biblioteconomia espelham obra de Edson Nery da Fonseca

O pioneiro e estudioso da obra de Gilberto Freyre, Edson Nery da Fonseca participa da Flip 2009.


Um pernambucano biblioteconomista, que quase foi militar, monge, e que hoje é considerado um dos maiores especialistas do Brasil na obra do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), o autor de "Casa Grande & Senzala", um dos livros mais importantes da historiografia brasileira. Edson Nery da Fonseca, 88, é tudo isso e um pouco mais.

Ele é formado em Biblioteconomia e apaixonado pela profissão. Uma crônica do escritor Mário de Andrade e um artigo do poeta Carlos Drummond de Andrade o influenciaram a perseguir a carreira e a demonstrar que, contrariamente a todas as piadas ignorantes, um biblioteconomista não é um organizador de estantes. Os dois modernistas descreviam a profissão como um ato de amor, e é assim que ela sempre foi encarada pelo pernambucano.

Hoje, ele é descrito como o mais polêmico autor da biblioteconomia nacional, capaz de criticar com precisão e pertinência até mesmo a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Mas ele fala com propriedade. É graças ao seu trabalho e à sua insistência que Recife ganhou, em 1950, seu primeiro curso de biblioteconomia. Chamado para organizar as bibliotecas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), ele convenceu o reitor de que seu trabalho só seria válido se pudesse ser perpetuado depois que ele fosse embora. Uma vez conseguida a autorização, faltava apenas a verba --que continuou em falta. O pernambucano não desistiu.

Ciente dos hábitos de sua terra, escolhia os candidatos a professor e lá se ia, para a casa de cada um, na hora da ceia. Era inescapável. Montou o curso com professores dispostos a ensinar gratuitamente. Foi também um dos fundadores e o primeiro presidente da Comissão de Documentação da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e fundador da Biblioteca Nacional Central da UnB (Universidade de Brasília), na qual é professor emérito desde 1955. Não fez pouco pelos livros e, ativo até hoje, ainda escreve e fala com paixão aos jovens que compartilham o seu prazer por esse objeto.

Ele vive numa casa em Olinda, cidade próxima à Recife, com muitos gatos e 12 mil volumes de livros. É em torno deles que gira a residência e a vida do morador. Dois de seus conterrâneos mais ilustres, Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, foram amigos de Fonseca. O biblioteconomista escreveu livros sobre ambos, além de organizar edições com suas obras; mas especializou-se mesmo no estudo da vida e obra de Freyre, escrevendo biografia e ensaios que são considerados fundamentais em qualquer bibliografia sobre o sociólogo pernambucano.

"Eu não tenho sequer pós-graduação, não tenho mestrado, doutorado, tenho apenas um bacharelado em uma ciência que ninguém leva a sério chamada biblioteconomia. De modo que o que eu tive foi uma grande paixão intelectual por Gilberto Freyre, foi um encantamento pelas originalidades das ideias dele", disse em uma entrevista ao programa da Rádio Universitária em Recife, "Café Colombo".

O homem alto (Tio Gigante, como o chamava o filho de Freyre, Fernando) e de voz grave dedicou sua vida a sistematizar e pensar a produção cultural brasileira, incentivando outros a seguir seu caminho. Escreveu o livro que é considerado hoje a obra mais importante nos estudos de biblioteconomia, e que merece ser lido por qualquer amante de livros: "Introdução à Biblioteconomia" (Briquet de Lemos, 2007). Um de seus textos mais emocionantes está no livro "Ser ou Não Ser Bibliotecário e Outros Manifestos Contra a Rotina" (ABDF, 1988).

Convidado a ser paraninfo de uma turma de conclusão da Escola de Biblioteconomia de Minas Gerais, ele fez de seu discurso uma incitação política à crítica e à insatisfação. Sob o título de "Panorama Crítico da Biblioteconomia Brasileira", o discurso não coloca panos quentes em nenhuma ferida e aponta de forma seca e direta os problemas mais graves das bibliotecas de um país que acha que não tem problemas.

É bela a paixão transmitida nessa crítica, que representa também a ferida do próprio Edson Nery da Fonseca ao ver o descaso que pode representar a destruição de uma cultura pela qual ele tem tanto apreço. "A Biblioteconomia brasileira vai bem? Vai muito bem, dirão os bovaristas e os basbaques. Só que a Biblioteca Nacional --isto é, a mais importante biblioteca de uma nação e, no caso da nossa, graças às coleções trazidas por D. João 6º, a mais rica da América Latina-- está instalada num edifício quase em ruínas, que não comporta mais o seu acervo: fora disso tudo vai bem, porque o Governo construirá outra Biblioteca Nacional em Brasília. (...) Que tal o Plano Piloto? Ah, uma beleza, tudo vai bem. O genial Lúcio Costa tudo previu. Há supermercados, hospitais, igrejas, colégios, quartéis. Há até um ambiente de meia-luz, nas superquadras, para favorecer os namoros. Nem as bancas de revista e jornal foram esquecidas. Mas o genial Lúcio Costa confessou-me que esqueceu por completo as bibliotecas."

Mas não fica nisso, pois o biblioteconomista não hesita em apontar as falhas tremendas da própria formação dos bibliotecários que trabalhavam naqueles ambientes tidos como templos de estudo. "Telefonei para a biblioteca do D.A.S.P. (Departamento Administrativo do Serviço Público), em Brasília, e perguntei se havia alguma edição de "Política", de Aristóteles. "Só o senhor dizendo o sobrenome do autor, respondeu a bibliotecária, 'porque no nosso catálogo os autores aparecem pelos sobrenomes'." É triste, inegavelmente. Mas nada disso impediu Fonseca de se manter ativo na defesa de sua profissão e da construção cultural brasileira.

Ele escolheu dois templos para a sua vida: as bibliotecas e os mosteiros. Pouco afeito ao isolamento monástico, acabou ficando apenas entre as estantes. Ex-oblato do Mosteiro de São Bento de Olinda, falou em um livro sobre a vida nos monastérios. "Sub Specie Aeternitatis" (Arx, 2003), título que veio do livro "Ética" de Bento de Espinosa (1632-1677) e que significa "Sob Um Aspecto da Eternidade", fala sobre claustros do Brasil e sobre a vida que neles se leva. Um oblato é o monge que vive a vida mundana, que permanece fora dos mosteiros. E o livro traz as lembranças de Fonseca sobre seu período entre os monges, salpicadas de histórias, explicações e referências acerca do papel dos monastérios na construção e preservação do conhecimento desde a Idade Média.

Uma obra de um erudito, sem dúvida. Mas é também uma obra de alguém que tem carinho pelo seu passado e respeito por aqueles que o construíram. Uma obra de um pernambucano que, apaixonado por seu país, traçou seu mapa: "Estou limitado ao Norte pela literatura / Ao Sul pela saudade da vida militar / A Leste por Gilberto Freyre / E a Oeste pelo Mosteiro de São Bento." (in 'Interpretação de Edson Nery da Fonseca', Bagaço, 2001). Um homem que construiu, palavra a palavra, seu amor pelos livros e a luta por sua permanência no futuro.


Por Tereza Chaves.

Colaboração para a Folha Online.